A nave do outro mundo
Realizado em 2012, por ocasião da comemoração do Dia do Servidor, o “Concurso de Causos da Justiça Eleitoral Mineira” reuniu histórias engraçadíssimas do cotidiano do Tribunal, pelos quatro cantos do Estado. O evento, realizado na gestão do então presidente-desembargador Brandão Teixeira, contou com a participação de 74 inscritos, dentre servidores, auxiliares requisitados, magistrados, membros do Ministério Público e servidores aposentados.
Para lembrar esse momento tão especial para todos os servidores da Casa, leia um dos causos - uma história vivida por José Luís Cantanhêde, em 2000, época em que era servidor da 39ª Zona Eleitoral da Capital.
Saí de lá com a certeza do dever cumprido, de ter feito o melhor naquela situação tão inusitada. E confesso que, a cada convocação de mesários, o destino sempre reservava tais surpresas e histórias curiosas a carrear o imprevisível à memória de nossa Justiça Eleitoral.
E foi em uma dessas andanças, em agosto de 2000, ano de costumeiras acirradas eleições municipais, que tudo aconteceu. O roteiro que fiz, ao sair do Cartório da 39ª Zona Eleitoral, de Belo Horizonte, incluía, além do forte calor da tarde, percorrer o Bairro São Bernardo, Zona Norte da cidade.
A presença do carro a serviço do TRE sempre despertava curiosidade. Os moradores (humildes, em sua maioria), nas ruas estreitas e empoeiradas, viam o veículo como uma nave de outro mundo, dotada de piloto e co-piloto, brasão da República nos vidros, capaz de sobrevoar até mesmo os intransponíveis becos à procura de alguma coisa diferente e aterrissar no Aeroporto da Pampulha, que fica perto dali.
Curioso é o bairro: ruas com nomes de times de futebol, de padres, freis e santos, montanhosas, surpreendentes, com números antigos e atuais pregados lado a lado nos muros das casas, o que tornava cansativa a missão. Era preciso perguntar, vasculhar, verificar no mapa de papel, para não perder o endereço de mais um aliado no dia da votação, cidadãos com autoridade suficiente para manter a ordem nas seções em nome da democracia.
Depois de quase uma hora a percorrer a região, já com uma parcela de cartas reduzida em minhas mãos, das dezenas que tinham que ser entregues, segui para mais um endereço, na esperança de encontrar outro felizardo. A rua terminava em um beco, pelo qual segui a pé. No final dele, outra viela despontava, com barracos e casas simples, algumas sem reboco. Crianças brincavam no meio do caminho de terra, sem se importarem com minha presença. Ao chegar ao lugar, bati palmas, como de praxe, e, após alguns minutos, uma velhinha veio ao meu encontro.
Do alto de seus 80 e poucos anos, caminhando com dificuldade, ela me ofereceu água e café, com seu jeito simplório e voz firme. Indaguei se conhecia o mesário, e a senhora afirmou ser mãe dele. Depois de explicar sobre minha presença ali e de entregar a carta, esperei a resposta, e a idosa, com um baita sorriso na boca sem dentes, me abraçou e disse:
- Brigada, seu moço. Meu menino tá desempregado e essa oferta de emprego veio em boa hora. Deus lhe pague!!
Com um sorriso desconsertado no rosto, despedi-me da velhinha, voltei à nave do outro mundo, na certeza de que, no próximo dia, outras surpresas viriam.