“Fragrante delito”
Era meu décimo e último atendimento naquela tarde no Posto Biométrico do Anexo I do Tribunal, na Avenida Prudente de Morais, 320, na Capital. O que mais me chamou a atenção naquele dia de abril de 2016, além do grande número de pessoas no recinto, foi a maciça presença de eleitores com mais de 60 anos, muitos deles já desobrigados de votar pela Lei das Eleições e pela Constituição Federal, segundo as quais o voto é facultativo para os maiores de 70 e menores de 16 a 17 anos.
Mas eles estavam ali, vovôs e vovós com uma curiosidade juvenil quanto a tal biometria, respondendo à boa divulgação da novidade nos quatro cantos de Minas e do Brasil como mais um poderoso instrumento de combate às fraudes eleitorais. Alguns, porém, mostravam-se particularmente aflitos e desconfiados quanto à identificação.
Às 16h45, no guichê 10, lancei na tela do computador a próxima senha: PO 63, atendimento prioritário. Alguns segundos depois, com passos apressados, chegou uma senhora de 64 anos, baixinha, magra, cabelos brancos. Sentou-se à minha frente, entregou-me o papel da senha e não disse nada.
- “Pois não! Então a senhora veio fazer o cadastramento biométrico!”
Bastou iniciar a conversa para que Dona Zelina, mineira de Canaã, no Sudeste mineiro, pudesse soltar sua voz firme:
- “Ô, Seu Moço, não sei o que é isso, mas se tem que fazer...”
Pedi os documentos necessários, e, da enorme bolsa, como num passe de mágica, surgiu uma infinidade de papéis ou papilins, como se diz, em bom “mineirês”, no interior – Identidade, CPF, conta disso, conta daquilo, comprovante de pagamento de aluguel de imóvel e até uma pequena carteira de plástico com várias fotos 3x4 coloridas. Perguntei sobre o Título de Eleitor e, procura daqui, investiga dali, ela enfia novamente a mão na bolsa e encontra o documento.
Após consultar no Sistema ELO a situação de Dona Zelina, verifiquei que estava tudo bem, não havia pendências. Confirmei os dados para a revisão e comecei os procedimentos para assinatura, coleta da foto e das digitais.
- “Assina aqui, Dona Zelina, nesta linha deste aparelhinho”.
- “Aqui mesmo? Nossa! Não vai ficar bom, não! Mas, se Deus escreveu certo na linha torta, eu também consigo, viu?”.
- “Ótimo! Agora vamos bater uma foto sua, tudo bem?”.
- “Ô, meu Deus, e essas fotos aqui que eu truxe, não vai ser preciso? Vixe, Maria, cês me pegaram no fragrante delito!”.
- “Agora nós vamos coletar suas digitais, neste aparelhinho, aqui”.
- “Uai, pra quê, Seu Moço? De todos os dedos das duas mãos? E eu nem cortei as unhas, hoje!”.
- “Sim, é necessário para seu cadastro e identificação na hora do voto”.
- “Eu tô tremeno, nunca tinha visto isso, sô!”.
- “Fique tranquila, tudo vai dar certo”.
Ao final, após receber o novo Título de Eleitor com a inscrição “Identificação Biométrica” Dona Zelina, ainda perplexa com tudo que lhe tinha acontecido, perguntou-me se o documento era igual ao antigo e se a foto coletada a poucos minutos não iria fazer parte do conjunto daquele “papilim verde”.
A Biometria, indubitavelmente, reserva muitas surpresas.
José Luís Cantanhêde – Assessoria de Cerimonial e Memória do TRE-MG
Publicado em 20/4/2016