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História do Tribunal: criação e instalação inseridas no contexto da história do País e regional e do respectivo ramo do Poder Judiciário e desenvolvimento da organização ao longo do tempo

 

A instituição da Justiça Eleitoral no Brasil foi consequência direta do movimento revolucionário de 1930, que tinha como uma das principais bandeiras a moralização das eleições no País, face às práticas constantes de fraudes e vários outros crimes em matéria eleitoral que marcaram o período conhecido historicamente por “República Velha”.

O primeiro Código Eleitoral brasileiro, outorgado em 24 de fevereiro 1932, instituiu a Justiça Eleitoral em âmbito federal, sob a característica de Justiça Especializada, que passou a ser responsável por todos os trabalhos eleitorais - alistamento, organização das mesas de votação, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos. Além disso, regulou em todo o País as eleições federais, estaduais e municipais.

Os 23 tribunais de Justiça Eleitoral, como foram inicialmente chamados, foram instalados a partir de 20 de maio de 1932, com o Tribunal Superior Eleitoral no Distrito Federal, sediado no Rio de Janeiro, sob a presidência do Ministro Hermenegildo Rodrigues de Barros. Em Minas Gerais, o Tribunal Regional de Justiça Eleitoral foi instalado em 30 de junho de 1932. Para a presidência dos tribunais eleitorais foram designados os vice-presidentes dos tribunais de justiça.

O momento era de muitas dificuldades. Os tribunais foram instalados com pouca ou nenhuma infraestrutura. Faltavam recursos materiais e humanos para o imenso trabalho que viria a seguir. Os cadastros eleitorais do primeiro período republicano (1889-1930) haviam sido anulados e os tribunais eleitorais teriam de proceder a um alistamento geral em poucos meses. O Tribunal Superior Eleitoral imprimiu mais de 5 milhões de fichas em papel para a emissão de títulos eleitorais que, pela primeira vez, contariam com a fotografia do eleitor. Cerca de 1 milhão e 500 mil eleitores foram alistados em poucos meses.

As grandes novidades do Código Eleitoral de 1932 foram colocadas em prática naquela primeira eleição sob a coordenação da Justiça Eleitoral: o voto secreto e obrigatório, a eleição em dois turnos simultâneos, o sistema de representação proporcional e o voto feminino, o qual, a princípio, era facultativo.

O primeiro pleito realizado pela Justiça Eleitoral, em 3 de maio de 1933, elegeu, pelo voto direto, os 214 deputados constituintes que iriam elaborar a nova Constituição Federal, promulgada em 1934. Além desses, foram também indicados - por sindicatos patronais e de empregados – 40 representantes classistas para os trabalhos constituintes. Dentre os deputados eleitos pelo voto direto, destaque para a médica paulista Carlota Pereira de Queiroz, primeira mulher a ser democraticamente eleita no Brasil, e que ficara famosa em São Paulo após ter atuado na frente de batalha durante a Revolução Constitucionalista de 1932, atendendo aos soldados paulistas feridos.

A Constituição de 1934 referendou o Código Eleitoral e, após ter sido promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte, os congressistas mantiveram Getúlio Vargas na Presidência da República por votação indireta, sob a condição de que o mesmo determinasse novas eleições gerais para 3 de janeiro de 1938. Tais eleições, no entanto, jamais seriam realizadas.

No dia 10 de novembro de 1937, sustentado por setores sociais conservadores, Getúlio Vargas anuncia, pelo rádio, a "nova ordem" do País. Outorgada nesse mesmo dia, a "Polaca", como ficou conhecida a Constituição de 1937, extinguiu a Justiça Eleitoral, aboliu os partidos políticos existentes, suspendeu as eleições livres e estabeleceu eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos.
Essa "nova ordem", historicamente conhecida por Estado Novo, sofre a oposição dos intelectuais, estudantes, religiosos e empresários. Em outubro de 1943, foi divulgado o “Manifesto dos Mineiros”, uma carta aberta assinada por representantes significativos da intelectualidade mineira e brasileira, dentre jornalistas, escritores, advogados e juristas, em defesa da redemocratização do País.

Pressionado, Getúlio Vargas reinstala a Justiça Eleitoral, por meio do Decreto-Lei 7.586/1945, conhecido como Lei Agamenon, em homenagem ao Ministro da Justiça Agamenon Magalhães, responsável por sua elaboração, regulando, em todo o País, o alistamento eleitoral e as eleições.

O Tribunal Superior Eleitoral é reinstalado em maio de 1945 e os tribunais regionais são reinstalados na sequência. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais foi reinstalado em 14 de junho daquele ano.

Seguindo os novos ventos democráticos e na tentativa de equilibrar política e economicamente o Brasil, Getúlio Vargas anuncia eleições gerais para o dia 2 de dezembro de 1945. O candidato de Vargas é o General Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra de seu governo. Oposição e cúpula militar se articulam, porém, e promovem, em 29 de outubro de 1945, o golpe que retira Getúlio Vargas da Presidência da República.

O Ministro José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal e também do Tribunal Superior Eleitoral, assume interinamente a Presidência da República até a realização das eleições e posse do novo Presidente. O General Dutra vence as eleições presidenciais e é empossado em janeiro de 1946. Na mesma data tomam posse também os parlamentares constituintes que irão elaborar uma nova Constituição para o Brasil. Era o fim do Estado Novo.


A 18 de setembro de 1946, a nova Carta Magna Brasileira reafirma a Justiça Eleitoral entre os órgãos do Poder Judiciário.

 

Texto: José Luís Cantanhêde e Berenice Sobral

O Tribunal Regional de Minas Gerais

O Tribunal Regional de Justiça Eleitoral – como então eram chamados os órgãos regionais da Justiça Eleitoral – foi instalado em Belo Horizonte, no dia 30 de junho de 1932, em Sessão Inaugural da Corte presidida pelo Desembargador Manuel Vieira de Oliveira Andrade, à época também vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O imóvel designado para ser a primeira sede da Justiça Eleitoral na Capital mineira foi o prédio do antigo Senado Estadual – um casarão de linhas neoclássicas (há muito demolido), típico das primeiras construções de Belo Horizonte, localizado na antiga Praça da República (atual Praça Afonso Arinos).

A partir dali foram iniciados os trabalhos de rezoneamento eleitoral do território mineiro e alistamento eleitoral em consonância com o Código Eleitoral de 1932, com vistas às eleições de 3 de maio de 1933, na qual seriam indicados os deputados constituintes que iriam elaborar a nova Carta Magna do Brasil. Minas Gerais contava, então, cerca de 360 mil eleitores.

Com a suspensão da Justiça Eleitoral, por Getúlio Vargas, em 10 de novembro de 1937, o TRE mineiro teve cancelados os preparativos para a eleição geral marcada para 3 de janeiro de 1938. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, bem como os cartórios eleitorais, foram fechados e todos os processos existentes foram apreendidos pelos órgãos de segurança do Governo Federal. Mandatos parlamentares foram cassados e os partidos políticos foram invalidados.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e, em especial, com as derrotas do Nazismo na Alemanha e do Fascismo na Itália, o mundo ocidental busca retornar aos valores da Democracia e, deste modo, Getúlio Vargas, cujo governo, sob o formato do “Estado Novo”, havia se aproximado dos paradigmas totalitários do nazifascismo, buscou adaptar-se à nova onda democrática, determinando a reabertura do Congresso Nacional e demais casas legislativas estaduais e, na sequência, a reinstalação da Justiça Eleitoral no País.

Foi assim que, no dia 14 de junho de 1945, reinstalou-se, em Belo Horizonte, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Leowigildo Leal da Paixão. Para sede do Tribunal foi designada uma antiga residência em estilo eclético na Rua Bernardo Guimarães, 1.468. Entre adaptações e surpresas, os primeiros funcionários do Tribunal encontraram, no porão da nova sede, antigos documentos do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que, até então, agia na clandestinidade. Paradoxalmente, a Justiça Eleitoral passava a ocupar um espaço antes destinado à ilegalidade política.

A reinstalação do TRE-MG foi um acontecimento de grande repercussão social e política. As dificuldades estruturais, no entanto, persistiam com a falta de funcionários e de condições materiais. Aos poucos funcionários – requisitados de outros órgãos públicos – incumbiu-se a difícil missão de cadastrar todo o eleitorado do Estado em apenas cinco meses (de junho a novembro) para as eleições presidenciais de 2 de dezembro de 1945. Minas Gerais contava, na época, com 1.231.251 eleitores.

As comunicações eram precárias, havia apenas um aparelho de telefone com bastantes limitações de uso, além do telégrafo, mas a ilimitada boa vontade dos servidores conseguiu vencer todas as barreiras para a realização daquele pleito. Com inteligência e criatividade, valiam-se de todas as possibilidades para atender às determinações eleitorais, dentre elas o alistamento ex-oficio no âmbito dos órgãos públicos – a partir das listas de funcionários encaminhadas pelas instituições públicas ao TRE – e a utilização da Rádio Inconfidência para a transmissão das orientações e determinações legais aos juízes eleitorais do interior do Estado em programas quase que diários.

A partir de 1955, quando o Presidente Juscelino Kubitschek exigiu um amplo alistamento eleitoral em todo o País, o TRE-MG transformou ônibus em cartórios volantes, que percorriam toda a cidade. O controle dos eleitores era feito mediante a ficha Modelo 6, que vigorou até 1986, ocasião em que a Justiça Eleitoral iniciou seu processo de informatização. Também foi na década de 1950 que as antigas urnas de madeira e de ferro foram substituídas pelas urnas de lona – mais leves e fáceis de transportar – e que o TSE determinou a vigência da cédula única chancelada pela própria Justiça Eleitoral. Até então, os partidos políticos podiam emitir cédulas eleitorais e distribuí-las nas ruas aos eleitores.

No período de 1964 a 1985 a Justiça Eleitoral mineira realizou as eleições permitidas pelos governos militares – vereadores, prefeitos de municípios do interior, deputados estaduais e federais e, em alguns anos, também para governador. O retorno à normalidade democrática, a partir de 1989, encontrou o TRE e os cartórios eleitorais com importantes novidades relativas ao cadastro eleitoral, pois, em 1986, com o Recadastramento Nacional, os antigos títulos em papel escritos à máquina ou à mão e com fotografia foram substituídos por documentos informatizados. O Centro de Processamento de Dados, inaugurado em 1988, também seria um marco importante na história da Justiça Eleitoral mineira.

Outra significativa mudança aconteceria em 1996, com a instituição do voto informatizado, a partir de urnas eletrônicas – inicialmente chamadas “coletores eletrônicos de votos”. A partir daí, a Informática passa a ganhar cada vez mais espaço na Justiça Eleitoral de Minas Gerais, avançando sobre toda a estrutura administrativa e jurisdicional do Tribunal, a partir da instalação de sistemas para a tramitação de processos.

Acompanhando a evolução dos tempos, a Justiça Eleitoral, superou todos os obstáculos, acumulou vitórias e transformou o sistema eleitoral do País, promovendo a cada ano mais seriedade nas disputas partidárias. Seus servidores, exemplo de dedicação ao serviço público, muitas vezes arriscaram a própria vida para resolver conflitos eleitorais que envolviam grandes interesses políticos e econômicos. 

Como símbolo de dignidade e respeito, porém, fica a imagem de um de seus primeiros servidores, o ex-diretor-geral Raul Motta Moreira, que, em 1964, durante os primeiros dias do período militar, enquanto as tropas do Exército tomavam as ruas, recolhia da repartição todos os livros de registro de pessoal e outros documentos valiosos do Tribunal Eleitoral e os levava para a própria casa, sob cujo telhado os escondia. Ele, que viveu os primeiros anos da reinstalação do TRE, em 1945, temia que, a exemplo de 1937, quando o Estado Novo de Vargas extinguiu a Justiça Eleitoral, eliminando todos os registros dos servidores, atas e vários outros documentos jurídicos, os militares, que estavam prestes a destituir o então presidente João Goulart, repetissem a tragédia. Felizmente, porém, tal fato não se repetiu.

Texto: José Luís Cantanhêde e Berenice Sobral

A Justiça Eleitoral, instituída em 24 de fevereiro de 1932, dois anos após a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, foi suspensa em 10 de novembro de 1937, pelo próprio presidente Getúlio Vargas. Vargas havia atingido a Presidência do Brasil por meio de um golpe de Estado, ao depor, com o apoio de forças civis e militares, o presidente eleito por São Paulo, Júlio Prestes, fato que foi a gota d’água para o conflito gerado por uma crise que já vinha se formando ao longo do período da Primeira República (1889-1930), durante o qual membros das elites paulista e mineira se revezavam na Presidência, contrariando os interesses de vários outros estados brasileiros. 

O Brasil vivia, então, uma imensa crise econômica (quebra da Bolsa de Valores de Nova York), política e social. Havia, também, uma revolta latente da população quanto à confiabilidade das eleições. A população não suportava mais as fraudes eleitorais e o “jogo de cartas marcadas” das elites políticas brasileiras. O sistema eleitoral, oficializado pela Constituição de 1891, determinava que as eleições deveriam ser organizadas, realizadas, apuradas e validadas pelos próprios integrantes do Parlamento, por meio da Comissão de Verificação das Eleições. Era comum e bastante usual naquela época a falsificação das atas eleitorais, cortando os nomes dos candidatos “indesejados” porventura eleitos. 

Ao assumir a Presidência do Brasil, por meio de voto indireto, em 1930, Getúlio Vargas determinou, dentre outras medidas de caráter social, a criação um Código Eleitoral e de um órgão especializado ligado ao Poder Judiciário para organizar, realizar, apurar e validar as eleições (a Justiça Eleitoral). Criados o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais nos estados, bem como as Juntas Eleitorais e Juízos Eleitorais, procedeu-se à organização dos tribunais que, nos estados, eram dirigidos pelos vice-presidentes dos Tribunais de Justiça.  

Na década de 1930, a Justiça Eleitoral realizou, no entanto, apenas duas eleições, a de 1933, elegendo deputados constituintes que redigiriam a Constituição de 1934, e a de 1935, que elegeu governador e dois senadores por estado. A Constituição de 1934 estabelecia que uma nova eleição para a presidência da República aconteceria num período de dois anos após a promulgação da Carta Magna. Assim, Getúlio Vargas, que foi oficialmente empossado Presidente da República em 1934, deveria deixar o poder em 1936, a partir da realização de uma nova eleição presidencial.

 Em 1936 tem início, então, a campanha eleitoral para a eleição livre de um novo presidente. No entanto, indiferente à Constituição, Getúlio Vargas já articulava sua permanência no poder com os chefes militares, dentre eles os generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra. O pretexto para a supressão dos direitos constitucionais teria sido o avanço comunista sobre a Europa e demais países do Ocidente. Os governos estaduais, com destaque para Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul aprovaram as medidas.  O Congresso Nacional foi fechado em 10 de novembro de 1937. Pelo rádio, Getúlio Vargas afirmava à Nação que instituía, a partir daquele momento, “um regime forte, de paz, justiça e trabalho”. As eleições foram suspensas, a Justiça Eleitoral foi considerada extinta, a Constituição de 1934 foi anulada, os partidos políticos foram cassados, os meios de comunicação social (rádios e jornais impressos) foram censurados. 

 Houve milhares de prisões e muitas mortes durante os oito anos de duração desse período, intitulado “Estado Novo”. Getúlio Vargas firmou-se com ações populistas junto aos trabalhadores e esse populismo estabeleceu suas raízes no Brasil. Getúlio também, com o apoio das elites agrárias, buscou impulsionar a indústria brasileira (criou a CSN – Companhia Siderúrgica Nacional) usando um empréstimo de 20 milhões de dólares do governo norte-americano e recursos de fundos dos institutos de Previdência.

 O Governo de Getúlio Vargas era ditatorial, centralizador e, em muitos pontos, assemelhava-se ao Fascismo de Benito Mussolini, na Itália. No entanto, sua proximidade com a política econômica dos Estados Unidos (via empréstimos e facilidades tarifárias) acabou por fazer com que, em 1942, Vargas a aderisse à campanha militar dos aliados contra a Alemanha de Hitler e à Itália de Mussolini, enviando soldados brasileiros (Pracinhas) à Itália para lutar contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

 Encerrado o conflito mundial em 1945, o mundo ocidental começa novamente a respirar ares democráticos. Impulsionado por pressões populares e militares, Getúlio Vargas determina o fim da censura prévia aos meios de comunicação, a reabertura do Congresso e a reinstalação da Justiça Eleitoral para a eleição de um novo presidente da República e deputados à Câmara Federal, eleições que deveriam ser realizadas no dia 2 de dezembro daquele mesmo ano, o que efetivamente acontece.

Getúlio Vargas até pretendia permanecer no posto de presidente, mas é deposto pelas Forças Armadas e as eleições se realizam.  A partir daí, a Justiça Eleitoral passa a atuar a passos largos, com cada vez mais técnicas para garantir a segurança do voto.

 

Texto: Berenice Sobral (Seção de Memória Eleitoral)