A réplica da urna eletrônica

imagem de duas urnas eletrônicas falsas
Réplicas da urna eletrônica apreendidas pela Justiça Eleitoral em 1996

COM MEDO DE PERDER VOTOS CANDIDATOS USAM “RÉPLICAS” DA URNA

“Réplicas” de urnas eletrônicas começaram a circular pelo Brasil durante a campanha eleitoral de 1996 pouco tempo após o lançamento das urnas oficiais, em maio daquele ano, pelo Tribunal Superior Eleitoral. O nome oficial era “coletor eletrônico de votos”, mas logo veio o apelido “urna eletrônica”, rapidamente popularizado pela imprensa.

A tarefa era árdua. Havia somente quatro meses para apresentar a grande novidade ao eleitorado e fazer com que os eleitores se familiarizassem com a modalidade da votação informatizada. Em Minas, a Campanha de Demonstração do Voto Eletrônico começou logo, em parceria com o Sebrae, e dezenas de servidores recém-empossados dedicaram-se a levar a urna eletrônica aos mais diversos ambientes urbanos, como mercados, shoppings, fábricas, canteiros de obras, escolas, igrejas, praças e ruas. Esse trabalho foi feito em Belo Horizonte, Contagem, Juiz de Fora e Uberlândia, maiores colégios eleitorais do País.

A novidade eleitoral foi bem recebida pelo público, mas ainda pairavam dúvidas sobre o funcionamento do equipamento, sobre o processamento dos votos e havia ainda sinais de desconfiança por parte de muitos eleitores, em especial os mais velhos.

Os servidores da Justiça Eleitoral fizeram grandes mutirões durante a Campanha de Divulgação do Voto Eletrônico. Distribuíam cartazes, folders, cartilhas, colinhas e demonstravam o funcionamento das urnas exaustivamente em locais de grande afluxo de pessoas. Os veículos de comunicação tiveram papel essencial naquele momento para dirimir as dúvidas, mas o primeiro grande experimento da votação eletrônica gerava preocupação inquietante nos candidatos. Eles temiam que o desconhecimento e a desconfiança de parte do eleitorado em relação à urna eletrônica prejudicassem suas votações e, assim, eles começaram a encomendar ou produzir eles mesmos imitações do equipamento em metal, madeira e papelão para usá-las como propaganda diretamente com seus eleitores.

Essa prática, no entanto, gerou problemas. Em Macapá, capital do Amapá, um candidato que encomendara, a uma empresa de informática sediada em São Paulo, um equipamento muito semelhante ao equipamento oficial, estava sendo denunciado “pirataria”. Segundo as denúncias, a urna era tão parecida com a oficial, porque, além de usar as fotos e nomes dos candidatos oficiais, simulava o registro dos votos. Tal procedimento poderia estar confundindo os eleitores, uma vez que os servidores da Justiça Eleitoral utilizavam candidatos fictícios nas ações de demonstração do equipamento aos eleitores.

Apreendida, a urna pirata e levada ao TSE, os técnicos da Secretaria de Informática observaram que o objeto não era tão semelhante assim. A urna dublê era de tamanho maior e de cor bege, enquanto que as urnas oficiais eram cinzentas, e, além de não exibir nenhum símbolo relacionado à Justiça Eleitoral, não tinha disquete em seu interior. Para completar, a “réplica” ainda tinha uma fotografia do candidato colada sobre ela.

Faltando 15 dias para as eleições, a denúncia chegou ao Tribunal Superior Eleitoral. Presidindo o órgão naquela ocasião, o Ministro Marco Aurélio Mello não viu maiores problemas no fato, alegando que não poderia haver proibição, porque, no sistema manual, os candidatos também faziam réplicas das cédulas assinalando seus próprios nomes. No entanto, o ministro-presidente delegou aos tribunais regionais eleitorais a prerrogativa de proibir ou não o uso de tais “réplicas” durante a campanha, enfatizando que não haveria necessidade de apreensão dos modelos caso a “réplica” não induzisse os eleitores ao erro, o que configuraria prática de fraude. Assim sendo, seriam descartados aqueles modelos que permitissem o registro de votos, como a urna encontrada em Macapá.

Em Minas Gerais, a Justiça Eleitoral tolerou apenas aqueles modelos que não fossem confundidos com as urnas eletrônicas oficiais. No entanto, a critério dos juízes eleitorais, algumas “réplicas” chegaram a ser apreendidas.

  

Berenice Sobral

Seção de Memória Eleitoral

Setembro/2023