Ministra do TSE nega seguimento a recurso do prefeito cassado de Itabirito
A ministra Cármen Lúcia, do Tribunal Superior Eleitoral, negou nesta terça-feira (10) seguimento ao recurso especial apresentado pelo prefeito eleito de Itabirito, Waldir Silva Salvador de Oliveira (PSDB), contra a decisão do TRE de Minas Gerais que o considerou inelegível para as eleições de 2008. Ele teve suas contas na administração anterior (1989/1992) na prefeitura local rejeitadas devido a irregularidades consideradas insanáveis.
A cassação do registro da candidatura de Waldir Salvador foi o fato gerador da marcação das novas eleições para prefeito e vice-prefeito em Itabirito pelo TRE, que ocorrerão neste domingo, dia 15.
Confira abaixo a íntegra da decisão da ministra Carmén Lúcia:
Decisão Monocrática em 10/11/2009 - RESPE Nº 35996 Ministra CÁRMEN LÚCIA
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 35996 - ITABIRITO – MG (referente ao REspe nº 32534 e ao REspe nº 35426)
Relator Originário: Ministro Joaquim Barbosa
Relatora Substituta: Ministra Cármen Lúcia
Recorrente: Waldir Silva Salvador de Oliveira
Advogados: André Paulino Mattos e outros
Recorrida: Coligação Itabirito Para Todos (PMDB/PT)
Advogados: Tarso Duarte de Tassis e outros
DECISÃO
ELEIÇÕES 2008. Recurso especial. Registro de candidatura. Candidato a prefeito. Ex-prefeito que teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado. Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Alegada violação ao art. 275, I e II, do Código Eleitoral não verificada. Manifestação do Tribunal Regional Eleitoral sobre a natureza das irregularidades. Cabe à Justiça Eleitoral proceder ao devido enquadramento jurídico da irregularidade constatada pelo órgão que julgou as contas, interpretando o vício como sanável ou insanável. Constatadas irregularidades de natureza insanável: ausência de comprovação de aplicações de recursos orçamentários no mercado financeiro; pagamento de juros em razão de duplicatas em atraso; pagamento de juros sobre saldo devedor; abertura de crédito suplementar sem autorização legal, com violação ao art. 42 da Lei no 4.320/64. Irregularidades que configuram má administração dos recursos públicos, comportamento temerário do gestor, com prejuízo ao erário, e ato de improbidade administrativa. Precedente. Recurso ao qual se nega seguimento.
Relatório
1. A coligação "Itabirito para todos" impugnou o registro de candidatura de Waldir Silva Salvador de Oliveira ao cargo de prefeito do Município de Itabirito (MG), com fundamento no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90, e sob a alegação de ausência de vida pregressa ilibada e não comprovação da efetiva escolha em convenção partidária (fl. 44, REspe no 35.996).
O juiz eleitoral julgou improcedente a impugnação e deferiu o registro de candidatura (fl. 3123, REspe no 35.996).
O Tribunal Regional Eleitoral reformou a sentença em acórdão assim ementado (fl. 3161, REspe no 35.996):
Recurso Eleitoral. Registro de Candidatura. Deferimento. Eleições 2008.
Preliminar de nulidade da sentença. Rejeitada. O juiz não está obrigado a responder, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes.
Mérito. Ação desconstitutiva. Suspensão da inelegibilidade. Trânsito em julgado da decisão anulatória. Prazo restante volta a fluir. Inelegibilidade até 2009.
Recurso a que se dá provimento."
Opostos embargos de declaração (fl. 3188, REspe no 35.996), foram rejeitados (fl. 3201, REspe no 35.996).
Waldir Silva Salvador de Oliveira interpôs recurso especial à fl. 3209 do REspe no 35.996.
Em decisão monocrática publicada em 23.10.2008, o Ministro Joaquim Barbosa deu parcial provimento a tal recurso para determinar a remessa dos autos ao Tribunal Regional, para que esse Tribunal se manifestasse sobre a natureza das irregularidades, como entendesse de direito (fl. 3305, REspe no 35.996).
Dessa decisão, Waldir Silva Salvador de Oliveira e a coligação "Itabirito para todos" interpuseram agravos regimentais, respectivamente, em 25.10.2008 e 27.10.2008 (fls. 3308 e 3325, REspe no 35.996).
O agravo regimental do candidato foi desprovido e o da coligação não foi conhecido (fl. 3386, REspe no 32.534).
A coligação opôs embargos declaratórios, rejeitados à fl. 3405, REspe no 32.534.
Em autos suplementares, o Tribunal de origem decidiu pela insanabilidade das irregularidades apontadas, em acórdão assim ementado:
Autos Suplementares. Recurso Eleitoral. Pedido de manifestação acerca da sanabilidade ou não das contas. Impugnação de registro de candidatura a Prefeito. Inelegibilidade por rejeição de contas públicas. Registro deferido em primeira instância. Indeferimento no TRE.
Recurso Especial. Determinação da baixa dos autos para exame.
As irregularidades detectadas nas contas anuais não são passíveis de reversão. Caracterização da insanabilidade das contas.
Irregularidades insanáveis." (fl. 3447, REspe no 32.534)
O candidato opôs embargos declaratórios (fl. 3908, REspe no 35.996), não conhecidos ante a sua intempestividade (fl. 3927, REspe no 35.996).
Novos embargos foram opostos pelo candidato (fl. 3937, Respe no 35.996).
O Tribunal Regional acolheu os embargos apenas para prestar esclarecimentos, sem modificação do julgado anterior (fl. 3943, REspe no 35.996).
O candidato interpôs recurso especial (fl. 3955, REspe no 35.996), no qual sustentou a tempestividade dos embargos e requereu fosse anulada a decisão que declarou a intempestividade dos embargos para que o Tribunal de origem apreciasse os fundamentos do recurso. Alegou violação ao art. 13 da Res.-TSE nº 22.579, que estabeleceu o calendário eleitoral; e ao art. 72 da Res.-TSE nº 22.717, que regulou a escolha e o registro de candidatos nas eleições municipais de 2008.
Os autos retornaram ao Tribunal Superior Eleitoral e foram autuados como REspe no 35.426 e apensados aos autos do REspe no 32.534.
O Ministro Ricardo Lewandowski, em substituição ao Ministro Joaquim Barbosa, deu provimento ao recurso para determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais com a finalidade de, superada a questão da intempestividade, fossem os embargos apreciados como o Tribunal Regional entendesse de direito (fl. 4021, REspe no 35.996).
Dessa decisão, a coligação "Itabirito para todos" interpôs agravo regimental, ao qual este Tribunal negou provimento em 9.6.2009 (fl. 4036, REspe no 35.996).
Os autos foram remetidos ao Tribunal Regional Eleitoral que conheceu dos embargos e rejeitou-os em acórdão assim ementado:
Embargos de Declaração. Recurso Eleitoral. Registro de candidatura. Inelegibilidade. Rejeição de contas por irregularidade insanável.
Alegações de existência de omissão quanto à análise das irregularidades apontadas, de que o decurso do tempo não é suficiente para tornar as irregularidades insanáveis e de ausência de manifestação do Tribunal de Contas e do Tribunal de Justiça sobre a insanabilidade das contas.
Provas e alegações devidamente analisadas no acórdão embargado. Ausência de omissão a ser sanada. Pretensão de rediscussão da causa, inviável pela via dos embargos.
Embargos conhecidos e rejeitados." (fl. 4060, REspe no 35.996)
Waldir Silva Salvador de Oliveira interpõe, então, este recurso especial, no qual sustenta que a coligação recorrida não alegou a insanabilidade das irregularidades, razão pela qual incidiu a preclusão. Afirma que houve violação ao art. 460 do Código de Processo Civil, porque o Tribunal Regional não poderia apreciar a natureza das irregularidades, já que não cabe examinar a causa fora dos limites em que foi posta" (fl. 4076, REspe no 35.996). Argumenta que, mesmo se superada essa questão, o acórdão recorrido violou o art. 275, I e II, do Código Eleitoral, uma vez que [...] [se] esquivou[...] novamente do seu dever de analisar se as contas foram rejeitadas por irregularidades sanáveis ou insanáveis" descumprindo a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (fls. 4077, REspe no 35.996). Menciona precedente deste Tribunal (REspe nº 35.536, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6.8.2009), no qual foi determinado ao Tribunal de origem que se pronunciasse conclusivamente sobre a sanabilidade ou insanabilidade das irregularidades das prestações de contas", tendo em vista que tal Tribunal não enfrentou objetivamente a controvérsia, apesar da determinação anterior do Tribunal Superior nesse mesmo sentido. Alega que os vícios são sanáveis e que
"[...]
A responsabilidade na demora na apreciação dos referidos vícios não pode ser atribuída ao recorrente. Fatos alheios a sua vontade tal como a demora na prestação jurisdicional ou a mudança da Jurisprudência no que se refere a aplicação da Súmula nº 1 do TSE foram determinantes para que ainda ficasse pendente a apreciação das contas referentes ao exercício de 1992 [sic].
[...]." (fl. 4081, REspe no 35.996)
Argumenta que a decisão no sentido da [...] insanabilidade das contas em decorrência da não aplicação do percentual mínimo da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino (artigo 212 da CR) [...]" (fl. 4082, REspe no 35.996) diverge de recente julgado deste Tribunal (Acórdão no 30.169, Rel. Min. Eros Grau, 28.4.2009). Sustenta que o percentual mínimo estabelecido na Constituição Federal é de 25% e que, de fato, somente 23,46% foram aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino, exatamente como no precedente mencionado. No entanto, afirma que o Tribunal de Contas Estadual equivocou-se ao não considerar nos seus cálculos o percentual da folha de pagamento dos profissionais da educação relativo a dezembro de 1992 sob o argumento de que tal despesa estaria escriturada no exercício de 1993 e que, na verdade, aplicou-se 25,17%. Sustenta, ainda, que a relatora no Tribunal Regional reconheceu que os vícios da contabilidade de 1992 foram corrigidos na de 1993 por erro material. Afirma que vícios formais não acarretam a inelegibilidade prevista no art. 1o, I, g, da Lei Complementar no 64/90. Quanto à abertura de crédito suplementar sem autorização legal apontada pelo Tribunal de Contas Estadual, assegura que a Lei Orçamentária de 1992 expressamente permitia a utilização do excesso de arrecadação mediante abertura de crédito suplementar promovida por decretos e que a execução da referida lei foi assegurada por decisão proferida em mandado de segurança. Menciona precedentes deste Tribunal, nos quais concluiu pela possibilidade de posterior regularização de abertura de crédito suplementar (Acórdão no 13.868, Rel. Min. Eduardo Alckmin, 28.9.1996 e Acórdão no 148, Rel. Min. Maurício Corrêa, 4.9.1998). Quanto ao reajuste da remuneração do prefeito e do vice-prefeito acima do limite legal, defende que a irregularidade é sanável, que não ocasiona inelegibilidade e que há precedentes do Tribunal Superior Eleitoral nesse sentido.
Contrarrazões à fl. 4096, REspe no 35.996.
O Ministério Público Eleitoral opina pelo não conhecimento ou pelo desprovimento do recurso (fl. 4117, REspe no 35.996).
Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.
2. O recorrente não tem razão jurídica.
A alegação de que a coligação não teria demonstrado a insanabilidade das contas é inoportuna e está superada pelo julgamento do primeiro recurso especial, REspe no 32.534, no qual este Tribunal determinou "a remessa dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral, a fim de que essa Corte se manifestasse acerca da natureza das irregularidades, como entendesse de direito".
Não há violação ao art. 275, I e II, do Código Eleitoral, porque após a remessa dos autos suplementares ao do REspe no 32.534 para o Tribunal Regional Eleitoral, aquele Tribunal concluiu pela insanabilidade das irregularidades apontadas, em acórdão assim ementado:
"Autos Suplementares. Recurso Eleitoral. Pedido de manifestação acerca da sanabilidade ou não das contas. Impugnação de registro de candidatura a Prefeito. Inelegibilidade por rejeição de contas públicas. Registro deferido em primeira instância. Indeferimento no TRE.
Recurso Especial. Determinação da baixa dos autos para exame.
As irregularidades detectadas nas contas anuais não são passíveis de reversão. Caracterização da insanabilidade das contas.
Irregularidades insanáveis." (fl. 3447, REspe no 32.534)
Contra esse acórdão do Tribunal Regional o candidato opôs embargos declaratórios (fl. 3908, REspe no 35.996), os quais não foram conhecidos ante a sua intempestividade (fl. 3927, REspe no 35.996).
Novos embargos foram opostos pelo candidato (fl. 3937, Respe no 35.996).
O Tribunal Regional Eleitoral acolheu os embargos apenas para prestar esclarecimentos, sem modificação do julgado anterior (fl. 3943, REspe no 35.996).
O candidato interpôs, então, recurso especial (fl. 3955, REspe no 35.996), que chegando a este Tribunal foi autuado como REspe no 35.426 e apensado aos autos do REspe no 32.534.
O Tribunal Superior Eleitoral deu provimento ao recurso para determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais com a finalidade de que, superada a questão da intempestividade, fossem os embargos apreciados como o Tribunal Regional entendesse de direito (fl. 4021, REspe no 35.996).
O objeto desses embargos constituía-se das seguintes alegações:
1) a de que relator se olvidou de enfrentar as questões apontadas da tribuna e também em sede de memoriais que são cruciais ao deslinde do feito e à eventual análise por parte do eg. TSE" (fl. 3911, REspe no 35.996);
2) e a de que o acórdão omitiu-se sobre os seguintes pontos:
"a) quais são as irregularidades reputadas insanáveis nas contas do Embargante;
b) se a ausência de nota de improbidade ou condenação em multa por parte do Tribunal de Contas significa que a irregularidade é sanável ou não;
c) se no caso em comento existiram de fato as irregularidades apontadas;
d) se as irregularidades apontadas, analisadas de forma individual, são sanáveis ou não, face à prova documental e pericial constante dos autos." (fl. 3916, Respe no 35.996)
O Tribunal Regional Eleitoral apreciou exatamente essas alegações no último julgamento (fl. 4060, REspe no 35.996) e concluiu que [...] por meio das razões recursais do embargante, denota-se claramente o intuito de obter novo julgamento da lide, através de nova análise dos elementos de fato e prova dos autos [...]" (fl. 4062, REspe no 35.996).
Portanto, também não houve descumprimento de determinação deste Tribunal por parte do Tribunal de origem.
Passo à análise das irregularidades.
Conforme a jurisprudência firmada por este Tribunal, não cabe ao Tribunal Superior Eleitoral analisar o acerto ou o desacerto da decisão proferida pelo Tribunal de Contas para, por exemplo, desaprovar contas julgadas regulares. No entanto, este Tribunal, desde que rejeitadas as contas, não só pode como deve proceder ao devido enquadramento jurídico do vício constatado, interpretando-o como sanável ou insanável. É o que sobressai dos precedentes abaixo:
"[...]
2. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, `(...) o recurso de revisão não afasta a inelegibilidade, salvo se a ele tiver sido concedido efeito suspensivo pela Corte, a quem incumbe seu julgamento (...)¿ e `(...) a insanabilidade das irregularidades que causaram a rejeição das contas pode ser aferida pela Justiça Eleitoral nos processos de registro de candidatura¿. (RO 577, Rel. Min. Fernando Neves, Sessão de 3.9.2002).
[...]." (Acórdão nº 26.942, Rel. Min. José Delgado, 29.9.2006)
"[...]
- Somente a rejeição das contas, com a nota de irregularidade insanável, ou, inexistindo essa nota, seja possível verificar esse vício, é que tem-se a inelegibilidade da Lei Complementar no 64/90, art. 1o, I, g.
[...]." (Acórdão nº 24.448, Rel. Min. Carlos Velloso, 7.10.2004)
"[...]
2. Necessidade de a Justiça Eleitoral avaliar se as irregularidades motivadoras da rejeição de contas, por decisão irrecorrível do Tribunal de Contas competente, denotam insanabilidade.
[...]." (Acórdão nº 22.296, Rel. Min. Caputo Bastos, 22.9.2004)
A Câmara Municipal, como se vê no acórdão do Tribunal Regional Eleitoral, aprovou o parecer do Tribunal de Contas Estadual na parte em que apontou as seguintes irregularidades:
[...]
1. Aplicações financeiras
As aplicações de recursos orçamentários no mercado financeiro não foram devidamente comprovadas pelos extratos bancários, apresentando uma divergência de Cr$ 1.227.941,13.
Voto: Considero irregular, debitando-se ao Ordenador, devidamente corrigido.
2. Créditos adicionais
Foram abertos créditos adicionais no montante de Cr$ 2.985.555.345,88, conforme anexo 12, sem o devido amparo legal.
Voto: considero irregular, observada a Súmula TC-77.
[...]
6. Pagamento de juros
Foram realizadas despesas com pagamento de juros, conforme anexo 11-B, no montante de Cr$ 130.734.999,42, sobre duplicatas em atraso.
Voto: Considero irregular, debitando-se ao Ordenador, devidamente corrigido.
7. Juros sobre saldo devedor
Foram apontadas despesas de juros, no montante de Cr$ 320.327.362,96, que incidiram sobre o saldo devedor, conforme Anexo 11-A.
Voto: considero irregular, debitando-se ao Ordenador, devidamente corrigido.
[...]
9. Manutenção e desenvolvimento do ensino.
O Município aplicou, no exercício, 23,46% das receitas de impostos e transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino, não atingindo o mínimo legal exigido.
Voto: Pela intervenção no município, observada a súmula TC-70 e comunicação ao Governador do Estado e aos Ministérios Públicos e da Educação.
10. Remuneração dos agentes políticos
Os valores percebidos pelos agentes políticos, no exercício, ultrapassaram os limites legais permitidos.
Assim, os agentes políticos devolverão aos cofres municipais, devidamente corrigidos, os seguintes valores equivalentes a:
Prefeito: Cr$ 164.257.644,32
Vice-Prefeito: Cr$ 46.286.192,03" . (fls. 1283-1290, REspe no 32.534)
Pelas razões já mencionadas, para análise da natureza das irregularidades apontadas, atenho-me unicamente aos fundamentos do acórdão recorrido, ao parecer prévio do Tribunal de Contas Estadual e à decisão da Câmara Municipal.
A ausência de comprovação de aplicações de recursos orçamentários no mercado financeiro, o pagamento de juros em razão de duplicatas em atraso e o pagamento de juros sobre salto devedor são suficientes para demonstrar a má administração dos recursos públicos com prejuízo ao erário. O somatório desses valores corresponde ao valor significativo de 2,5% do total das receitas correntes do município em 1992, o que caracteriza a lesão aos cofres públicos e o comportamento temerário do gestor, que não observou o princípio da economicidade. Evidente, portanto, o caráter insanável das irregularidades.
Como bem ponderado pelo Ministro José Delgado em seu voto no REspe no 26.549, 14.9.2006, ¿o Direito do século XXI deve ser aplicado com objetivos voltados para o aperfeiçoamento da moralidade pública, a fim de ser valorizada a dignidade humana e a cidadania" .
Sobre esse assunto o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento no sentido de que ¿as irregularidades detectadas pela Corte de Contas têm natureza insanável manifesta quando decorrentes de ato de gestão ilegal, ilegítimo e antieconômico, causador de dano ao erário e que pode configurar improbidade administrativa" (Acórdão no 30.118, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 1o.10.2008). No mesmo sentido, menciono também os seguintes precedentes, dentre inúmeros outros: Acórdão no 1.235, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, 24.10.2006; Acórdão no 32.597, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.10.2008; Acórdão no 33.888, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 18.12.2008; Acórdão no 30.921, Rel. Min. Felix Fischer, 13.11.2008; e Acórdão no 267, Rel. Min. Néri da Silveira, 10.9.1998.
Quanto à abertura de crédito suplementar, verifico que Waldir Silva Salvador de Oliveira impetrou mandado de segurança contra ato do presidente da Câmara Municipal que teria tomado a iniciativa de elaborar projeto de lei orçamentária do município. Alegou que a competência para tanto era do Poder Executivo e que, por essa razão, pedia a declaração liminar de inconstitucionalidade da Leis Municipais nos 86/91 e 87/91. O juiz, então, concedeu liminar para ¿[...] suspender, de imediato, a eficácia das Leis Municipais [...] permitindo ao impetrante que o Município seja governado [...] com base na Lei no 1646/91, que disciplina as Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária encaminhada pelo Chefe do Poder Executivo" (fl. 1090, REspe no 32.534).
O Tribunal de Contas Estadual emitiu parecer com a informação de que foram abertos créditos adicionais sem autorização legal.
A possibilidade ou não de se abrir crédito adicional sem autorização específica do Poder Legislativo municipal não foi objeto do referido mandado de segurança.
A prática da conduta apontada pelo Tribunal de Contas Estadual constitui violação ao art. 42 da Lei no 4.320/64 é ato de improbidade administrativa conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. ANTECIPAÇÃO
DE RECEITA. EXIGÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA ESPECÍFICA.
DESCUMPRIMENTO. IMPROBIDADE.
1. O acórdão manteve a condenação de Prefeito Municipal por improbidade administrativa, por entender necessário procedimento licitatório, bem como autorização legislativa específica para a contratação de empréstimos bancários por antecipação de receita.
2. Embora seja dispensável, na hipótese, o procedimento licitatório para a realização de operação bancária, já que realizada antes da Lei de Responsabilidade Fiscal, subsiste o acórdão ao reconhecer a irregularidade das operações de empréstimo sem autorização do Legislativo Municipal.
3. A lei do orçamento anual (ato-regra) pode autorizar, genericamente, as operações de crédito por antecipação de receita (art. 165, § 8o), o que não afasta a necessidade de aprovação, em cada caso, por ato legislativo de inferior hierarquia (ato-condição).
4. Assim, para as operações de crédito por antecipação de receita não basta a autorização genérica contida na lei orçamentária, sendo indispensável autorização específica em cada operação. A inobservância de tal formalidade, ainda que não implique em enriquecimento ilícito do recorrente ou prejuízo para o erário municipal, caracteriza ato de improbidade, nos termos do art. 11 da Lei no 8.429/92, à mingua de observância dos preceitos genéricos que informam a administração pública, inclusive a rigorosa observância do princípio da legalidade.
5. Recurso especial improvido." (REspe no 410.414, Rel. Min. Castro Meira, 19.8.2004; destaquei)
Os precedentes mencionados pelo recorrente estão ultrapassados pela recente jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, da qual destaco os seguintes julgados: Acórdãos nos 33.799, 18.12.2008 e 34.025, 17.12.2008, ambos de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa. Além desses, menciono a decisão monocrática proferida pelo Ministro Eros Grau no REspe no 34.209, 11.11.2008.
Ressalto que o princípio da legalidade previsto na Constituição Federal determina ao administrador público praticar seus atos de gestão da coisa pública com estrita observância da lei e dos princípios que regem a Administração. No caso, a conduta do agente fere o princípio da legalidade.
Quanto à questão atinente a não aplicação do percentual mínimo da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino como estabelece o art. 212 da Constituição Federal, este Tribunal, ao apreciar o Agravo Regimental no REspe no 33.639, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.12.2008, decidiu que a não observância desse dispositivo constitucional configura, sim, irregularidade insanável. No entanto, em 23.4.2009, ao julgar o REspe no 35.395, o Tribunal Superior Eleitoral fez ressalva à aplicação de tal jurisprudência para os casos relativos ao pleito de 2008 em homenagem à segurança jurídica. Extraio trecho do elucidativo voto-vista proferido pelo eminente Ministro Presidente, Carlos Ayres Britto:
[...]
[...] em homenagem à Segurança Jurídica, bem como à orientação deste TSE em não alterar, como regra geral, a sua jurisprudência no curso do processo eleitoral, principalmente quando há diversos casos assim julgados, entendo que, para as eleições de 2010, a rejeição de contas pelo órgão competente, por motivo de não-aplicação do mínimo constitucional no setor da saúde pública, é de ser tratada como vício de natureza insanável.
[...]." (fl. 24; acórdão do REspe no 35.395)
Assim, na linha desse último precedente, não há como reconhecer, neste processo de registro de candidatura, a inelegibilidade do recorrente em relação a não aplicação do mínimo constitucional previsto no art. 212 da Constituição Federal.
No que se refere à remuneração recebida pelo prefeito e pelo vice acima dos limites legais, entendo que tal irregularidade apontada pelo Tribunal de Contas Estadual decorreu de controvérsia quanto à aplicação do índice de correção INPC, razão pela qual não há como considerá-la insanável. No voto-vencido do relator no Tribunal Regional Eleitoral consta trecho da "manifestação do setor técnico do TCE" (fl. 3895), que transcrevo:
[...]
Do comparativo com a folha de pagamento e valores corrigidos, vimos que o recebimento do Prefeito foi inferior ao citado limite (INPC) e o Vice-Prefeito tem a devolver aos cofres públicos um valor quase insignificante em relação ao valor recebido.
[...]." (fl. 3895, REspe no 35.996)
3. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso (§ 6o do art. 36 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral).
Publique-se.
Brasília, 10 de novembro de 2009.
Ministra Cármen Lúcia