Manifesto dos Mineiros: uma carta contra a ditadura Vargas

O ano era 1943. O Brasil ainda estava sob o peso ditatorial do Estado Novo, golpe de Estado deflagrado em 10 de novembro de 1937 pelo então Presidente da República Getúlio Vargas para manter-se no poder. Naquela mesma data fora decretada uma nova Constituição, idealizada e redigida pelo então Ministro da Justiça Francisco Campos, que incluiu nela vários dispositivos semelhantes aos encontrados em constituições de regimes autoritários vigentes na Europa, como as da Polônia, Portugal, Espanha e Itália.

Com a instauração do regime ditatorial, os setores liberais, ainda que não tivessem sofrido a violenta perseguição direcionada aos setores de esquerda, principalmente aos comunistas, também se viram impossibilitados de agir sobre os destinos políticos da Nação. Censura total à imprensa, cassação de partidos políticos; Congresso Nacional fechado e extinção da Justiça Eleitoral foram algumas das medidas que caracterizaram aquele período de terror. A situação só começou a se modificar quando o governo brasileiro optou por apoiar os Aliados na Segunda Guerra Mundial.
As manifestações estudantis de apoio aos Aliados (Estados Unidos, Inglaterra e França, dentre outros), realizadas em 1942, transformaram-se em atos pela Democracia e representaram uma primeira transgressão à ordem ditatorial. Em agosto de 1943, representantes de Minas Gerais no Congresso Jurídico Nacional manifestaram-se a favor da redemocratização. Em seguida, membros da elite mineira realizaram sucessivas reuniões no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, decidindo divulgar um manifesto público que explicitasse suas aspirações democráticas de repúdio à ditadura e pela redemocratização do País.
No dia 24 de outubro de 1943, surgiu o “Manifesto dos Mineiros”, a princípio intitulado “Manifesto ao Povo Mineiro”. Num primeiro momento 50 mil exemplares do documento foram impressos clandestinamente em uma gráfica de Barbacena e distribuídos de mão em mão ou jogados por baixo das portas das residências, em virtude da censura à imprensa ainda vigente. Sua importância decorreu do fato de ter sido a primeira manifestação aberta contra a ditadura do Estado Novo, assinada por membros de famílias de grande tradição social e política em Minas Gerais.
A reação do Governo Vargas não tardou. Embora os 92 signatários do manifesto – dentre os quais Pedro Aleixo, Tristão da Cunha, Afonso Arinos de Melo Franco, Mendes Pimentel, Bueno Brandão, Pedro Nava, Fausto Alvim e Magalhães Pinto - não tenham sofrido qualquer tipo de perseguição policial, muitos deles foram afastados dos cargos públicos que ocupavam ou foram demitidos de seus empregos em empresas privadas em virtude das pressões exercidas pelo governo. O Estado Novo durou de novembro de 1937 a outubro de 1945.
Alguns trechos do “Manifesto dos Mineiros”:
“As palavras que nesta mensagem dirigimos aos mineiros queremos que sejam serenas, sóbrias e claras. Nelas não se encontrará nada de insólito, nenhuma revelação.
Este não é um documento subversivo; não visamos agitar nem pretendemos conduzir. Falamos à comunidade mineira sem enxergar divisões ou parcialidades, grupos, correntes ou homens. As ideias e sentimentos a que buscamos aqui dar expressão cessaram de ser um estado natural de coisas. Um dúvida paira sobre elas, no seio dos povos cujo espírito de demissão se acomodou com os atentados aos mais imprescritíveis direitos do homem e do cidadão.
Se lutamos contra o fascismo, ao lado das Nações Unidas, para que a liberdade e a democracia sejam restituídas a todos os povos, certamente não pedimos demais reclamando para nós mesmos os direitos e as garantias que as caracterizam.
Eis porque, no momento em que devemos, unidos e coesos, sem medir sacrifícios e sem quebra ou interrupção da solidariedade já manifestada, dar tudo pela vitória do Brasil, entendemos que é também contribuir para o esforço de guerra conclamar, como conclamamos, os mineiros a que se unam acima de ressentimentos, interesses e comodidades, sob os ideais vitoriosos a 15 de novembro de 1889 e reafirmados solenemente em outubro de 1930, a fim de que, pela federação e pela democracia, possam todos os brasileiros viver em liberdade uma vida digna, respeitados e estimados pelos povos irmãos da América e de todo o mundo.
Belo Horizonte, 24 de outubro de 1943”

Texto: José Luís Cantanhêde
Fontes: Manifesto dos Mineiros e Fundação Getúlio Vargas