A primeira urna eleitoral das Minas Gerais

Em 4 de julho de 1711, a Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo — hoje, Mariana — foi palco de um dos eventos mais significativos da história política de Minas Gerais: a primeira eleição em território mineiro. Esse evento histórico marcou o início da organização política na região, em um período de grandes transformações sociais e econômicas decorrentes da descoberta e exploração das minas de ouro e pedras preciosas.
Naquele contexto colonial, a descoberta das riquezas minerais na área onde hoje se situam as cidades de Mariana, Ouro Preto e Sabará provocou, de modo especial, um rápido crescimento populacional e social. Entre 1708 e 1710 essa região foi palco de conflitos sangrentos historicamente denominados Guerra dos Emboabas — disputas entre portugueses e bandeirantes paulistas pelo controle das minas. Após a resolução dos conflitos e a expulsão dos paulistas, a Coroa Portuguesa intensificou ali seus instrumentos legais de administração. O extenso território que encampava as capitanias de São Vicente, Paranaguá e Itanhaém passou a ser denominado Capitania de São Paulo e Minas do Ouro e o pequeno arraial de Ribeirão do Carmo foi promovido à condição de vila.
Essa promoção aconteceu no dia 8 de abril de 1711, quando o fidalgo Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, nomeado governador da capitania pelo rei de Portugal, oficializou a criação da Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo de Albuquerque, a partir da implantação da estrutura administrativa local – o Conselho da Câmara. Em 4 de julho daquele mesmo ano a vila realizou a eleição de seus primeiros governantes — um passo pioneiro no que viria a ser a longa e rica história das eleições no território mineiro.
Pelas Ordenações do Reino de Portugal, o Conselho da Câmara era composto por seis integrantes: o “Mais Velho” e o “Mais Moço”, que atuavam como juízes e presidiam a Casa; três vereadores – escolhidos a partir de uma lista tríplice –, e um Procurador. A eleição utilizava o Sistema de Pelouros, instituído em Portugal em 1391 pelo rei Dom João I, considerado o mais antigo método eleitoral em toda a história das sociedades humanas.
Desse sistema de escolhas participavam apenas aqueles considerados “homens bons” – aqueles que eram reconhecidos por sua reputação ilibada, invariavelmente donatários de grandes porções de terras, podendo ter também sobrenomes ligados à nobreza de Portugal.
Na recém-criada Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo de Albuquerque, o processo eleitoral seguiu essas mesmas leis. Os nomes dos candidatos foram escritos em papéis, esses papéis foram lacrados dentro das pequenas bolas de cera – os pelouros, que, por sua vez, foram guardados na pequena urna de madeira de cedro, pintada com detalhes em ouro e que certamente deveria conter uma fechadura em conformidade com as Ordenações do Reino.
Essa mesma urna encontra-se hoje preservada pelo Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana, uma vez que foi também utilizada nas eleições para a escolha dos superiores das irmandades religiosas da vila. No entanto, esse pequeno objeto permanece nos tempos como um símbolo histórico da primeira eleição em Minas Gerais.
As eleições aconteciam sempre próximas ao Natal e, no início de janeiro, um menino de até sete anos de idade era chamado para, na cerimônia pública da abertura da urna e dos pelouros, escolher, aleatoriamente um pelouro. Quebrado o pelouro, o juiz responsável lia a lista dos juízes, vereadores e procurador que deveriam administrar a vila naquele ano. Nos dois anos posteriores, essa mesma cerimônia aconteceria, até a quebra do terceiro e último pelouro. Encerrado aquele último mandato, novas eleições seriam realizadas.
Na primeira vila da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, os primeiros eleitos foram o Capitão-Mor Pedro Frazão de Brito, como Juiz Mais Velho; Joseph Rebello Perdigão, como Juiz Mais Moço; Manoel Ferreyra de Sá, como Vereador Mais Velho; Francisco Pinto de Almendra, como Segundo Vereador; Jacinto Barboza Lopez, como Terceiro Vereador; e Torquato Teyxeira de Carvalho, como Procurador.
As atas das reuniões, preservadas no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana, revelam que esses cargos eram exercidos de forma voluntária, geralmente por homens mais velhos e respeitados, que se reuniam regularmente para debater e decidir questões essenciais para a população.
No Brasil Colonial, os Conselhos das Câmaras já exerciam as funções relativas aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, organizações que só viriam a ser instituídos oficialmente nos países ocidentais a partir da Revolução Francesa, no Século XVIII. Seguindo as normas das Ordenações do Reino de Portugal desde o Século XIII, as Câmaras instituídas nas vilas legislavam, fiscalizavam, administravam e julgavam, atuando diretamente na organização da vila e na manutenção da ordem social.
Com relação às eleições no período colonial, vale ressaltar o importante papel da Igreja Católica na escolha dos participantes e condução dos trabalhos. Na realidade, desde a primeira eleição realizada em solo brasileiro, em 1532, para a criação da Vila de São Vicente (atual Município de São Vicente-SP), até o final do período imperial, 1889, o processo eleitoral no Brasil foi cercado e influenciado por elementos religiosos.
Uma vez que não havia separação entre Estado e Igreja, a organização civil do Estado ficava sob a responsabilidade das paróquias. As certidões de nascimento, casamento e óbito eram administradas pelos párocos, bem como a identificação dos eleitores como membros daquela comunidade. As listas dos votantes eram afixadas nas portas das igrejas para o conhecimento de toda a população e uma das condições para eleger e ser eleito era professar a fé católica. As eleições de primeiro grau aconteciam no próprio ambiente da igreja e as de segundo grau eram realizadas geralmente na Câmara da vila ou distrito. Em ambos os casos as votações eram sempre precedidas das cerimônias litúrgicas.
A história da primeira eleição em Minas Gerais é mais do que uma curiosidade histórica; é um marco que demonstra a construção gradual da cidadania e da democracia em nosso Estado. O conhecimento desse legado é fundamental para que os agentes da Justiça Eleitoral, aqui representados, compreendam o papel essencial que desempenham na garantia do processo democrático.
Larissa Ribeiro dos Santos (estagiária de História)
Maria Berenice Rosa Vieira Sobral
Seção de Memória Eleitoral
Junho/2025
Referências
https://www.tse.jus.br
http://portal.iphan.gov.br
https://www.otempo.com.br
https://marianahistoricaecultural.com.br
http://marianahistoricaecultural.com.br
https://www.agenciaprimaz.com.br