1933 - A eleição que revolucionou o Brasil

Foto de mulheres na escadaria da seção de votação feminina no RJ em 1933
Seção feminina em 1933 - RJ

Há 90 anos, em 3 de maio de 1933, realizava-se no Brasil a primeira eleição sob a égide da Justiça Eleitoral. Quatro décadas após a Proclamação da República e em meio ao caos político, econômico e social gerado, no Brasil, pelos movimentos revolucionários de 1930 e 1932, o pleito de 1933 foi algo tão impactante na vida do País que o então ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, comparou o significado histórico daquela data à abolição da escravatura, ao declarar, em entrevista: “O escravo foi libertado em 88 e o povo em 33. Essas são as duas maiores datas da nossa formação”. (*)

Apesar das muitas dificuldades da época, em especial aquelas geradas pela Revolução Constitucionalista, entre julho e outubro de 1932, que muito prejudicaram os serviços eleitorais, aquele primeiro sufrágio foi cercado por novidades que fizeram dele o mais seguro da história do Brasil à época e, além da maior segurança do voto, as eleições de 1933 contaram também com avanços sociais importantes. 

O Código Eleitoral, promulgado um ano antes, em 24 de fevereiro de 1932, havia trazido diversas novidades além dele próprio, sendo as principais a instituição do voto feminino, a criação da Justiça Eleitoral, o estabelecimento do voto secreto, a adoção do sistema de representação proporcional e o alistamento/voto obrigatórios. Vale ressaltar que todos esses pontos tinham o evidente objetivo de conduzir o Brasil a uma reconstitucionalização. 

A instituição do voto feminino fez com que algumas seções eleitorais fossem criadas especificamente para as mulheres. Não se tem registro de quantas eleitoras compareceram às urnas, porém, dentre os 1.400 candidatos apenas 19 eram mulheres, sendo que essas estavam mais concentradas no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, provavelmente por influência da atuação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que possuía sede na capital do País, a cidade do Rio de Janeiro. 

A médica paulistana Carlota Pereira de Queiróz foi a primeira mulher eleita por meio da Justiça Eleitoral. Também paulistana, a diplomata e bióloga Bertha Lutz ficou como suplente na eleição de 1933, assumindo a cadeira de deputada federal em 1936, a partir do falecimento do titular. Apesar de não ter sido eleita pelo voto direto nas eleições de 1933, a advogada e jornalista Almerinda Farias Gama, nascida em Maceió, Alagoas, tornou-se deputada constituinte em 1933 por indicação do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos do Rio de Janeiro. É que, pelo Código Eleitoral de 1932, era permitido aos sindicatos e federações de trabalhadores indicar candidatos ao Parlamento para o preenchimento de parte das cadeiras. Representante da população negra, Almerinda foi também dirigente sindical, tendo participado da criação do Partido Socialista Proletário do Brasil. 

A criação da Justiça Eleitoral trouxe uma nova estrutura judiciária para o Brasil, com a instalação de 23 tribunais eleitorais nos estados e Distrito Federal, que garantiriam a contratação de novos servidores públicos, além da divisão eleitoral do País em zonas, a nomeação dos juízes eleitorais e a instalação de cartórios eleitorais dentre outras medidas. 

O estabelecimento do voto secreto no Brasil se deu de uma maneira simples: ao chegar ao local da votação, o eleitor recebia do mesário um envelope opaco já assinado pelo presidente da Mesa, chamado Sobrecarta. De posse desse envelope, o eleitor dirigia-se a uma cabine fechada com cortina e, lá dentro, inseria sua cédula de votação na Sobrecarta. Ao sair da cabine, o envelope com a cédula era depositado na urna eleitoral, após ser conferido visualmente pelas autoridades presentes. Tal mecanismo ajudou a combater o que se costumava chamar de “voto de cabresto”, prática bastante comum em eleições anteriores no Brasil, que resultava em fraudes e gerava forte sentimento de desconfiança sobre o processo eleitoral. 

Já a adoção do sistema de representação proporcional instituiu o Quociente Eleitoral e o Quociente Partidário, estabelecendo, a partir de então, a votação em dois turnos simultâneos, nos quais seriam eleitos, em primeiro turno, os candidatos que obtivessem o Quociente Eleitoral e, a partir da ordem da votação obtida, tantos candidatos registrados sob a mesma legenda quantos indicassem o Quociente Partidário. Em segundo turno seriam eleitos aqueles outros mais votados, até a ocupação dos lugares que não foram preenchidos durante o primeiro turno. 

O alistamento e a votação, obrigatórias pela primeira vez, causaram grande impacto e foram solução de peso para contornar a alta abstenção que caracterizava as eleições na Primeira República. A princípio, as exigências para o alistamento foram consideradas exorbitantes, principalmente pela necessidade de fornecimento, ao cartório eleitoral, de três fotografias tamanho 3x4. Na época, fotografias eram artigos de luxo para a maior parte dos brasileiros. Cedendo às críticas, o Governo Provisório de Getúlio Vargas admitiu o alistamento de categorias em grupo (ex-offício), sobretudo de servidores públicos e comerciantes, sendo seus dados passados à Justiça Eleitoral pelos chefes das repartições. Quanto às mulheres, o Código Eleitoral de 1932 permitia alistamento e voto facultativos, situação que se tornou obrigatória somente a partir de 1946. 

Todo esse processo, pela primeira vez no Brasil, teve o respaldo da Justiça Eleitoral, que passou a ter competência privativa para gerir os processos eleitorais do País. O pleito, em um sistema de partidos regionais, teve a participação de 108 legendas, além de centenas de candidatos avulsos, elegendo um total de 254 deputados, sendo 214 eleitos na forma prescrita pelo Código Eleitoral e 40 indicados por entidades sindicais e associações legalmente reconhecidas. Destaca-se que Minas Gerais teve o maior número de deputados por estado, sendo 37 no total. 

Nesse contexto, vale ressaltar também que a instalação da Justiça Eleitoral e a realização da primeira eleição ocorreram com inúmeros percalços, como a precariedade das instalações, a falta de verbas para aquisição de mobiliário e pagamento de salários, além do retardamento da organização dos partidos em decorrência da Revolução Constitucionalista. Apesar das dificuldades, porém, mais de cinco milhões de fichas em papel para emissão de títulos eleitorais foram distribuídas para os tribunais durante o alistamento e, após a anulação dos cadastros eleitorais da Primeira República, quase 1,5 milhão de eleitores foram alistados em poucos meses. 

Tais fatos evidenciam que, apesar das muitas dificuldades, a eleição de 1933 revelou inúmeros avanços, sendo a criação da Justiça Eleitoral um dos principais. Além disso, marca-se, no Brasil, o início de uma trajetória que resultaria num dos processos eleitorais mais eficientes e seguros do mundo, sendo motivo de orgulho para todos os cidadãos brasileiros.

 

Matheus Jorge de Araújo Trindade – estagiário de História

Berenice Sobral – Seção de Memória Eleitoral

 (*) 1888 / 1933