A antecessora

Nas eleições gerais de 1994, dois anos antes da implantação do sistema eletrônico de votação no Brasil, ela ainda era a protagonista, o centro das atenções. Em todas as seções eleitorais lá estava ela, vestida em lona marrom-escura, com tampa móvel e lacre inviolável, uma discreta chave e espaço para as assinaturas do juiz e do promotor eleitoral. Entre os anos de 1955 e 1996 ela percorreu, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, os rincões do País. Fosse de avião, barco, ônibus, automóvel ou carro-de-boi, suportava todos os trancos aquela fiel depositária dos votos para brilhar no mais importante evento cívico do Brasil -  As Eleições.

A urna de lona teve por pai um simpático imigrante nascido em Sapre, Itália, em maio de 1914, filho de um italiano e de uma brasileira, e que veio parar em terras tupiniquins, precisamente em Jaú, no estado de São Paulo, antes de completar o primeiro aniversário. O nome dele? Abílio Cesarino.

Em 1955, trabalhava o Abílio em uma fábrica de malas quando soube de um concurso lançado pelo então presidente Getúlio Vargas para a criação de um novo modelo de urna eleitoral que fosse capaz de substituir as antigas urnas de madeira e de ferro, muito grandes e pesadas. A nova urna deveria ser mais leve, mais fácil de armazenar e transportar, e deveria, ainda, ter um sistema que garantisse ainda maior segurança às cédulas eleitorais.

Depois de várias experiências, Seu Abílio chegou ao modelo que desejava: toda de lona bem grossa, imune a rasgões, com tampa móvel que podia ser fechada a chave e lacrada. Não haveria como violá-la sem deixar vestígios. Além disso, era retrátil (fechava-se como uma sanfona), de fácil transporte e podia ser estocada até mesmo em espaços pequenos. Até então, as urnas de madeira podiam ser facilmente abertas, quebradas ou queimadas. Já as de ferro eram extremamente pesadas e de difícil transporte.

Muito animado, Seu Abílio patenteou a invenção, mas não conseguiu inscrevê-la a tempo na competição, na qual concorreram mais de 10 mil protótipos. A campeã do certame foi, então, uma urna fechada por um zíper em uma das laterais.

Longe de desistir de seu intento, porém, Seu Abílio, com sua experiência de maleiro, conseguiu provar ao então Secretário do TRE-SP, Ibsen Costa Manso, que o modelo vencedor poderia ser violado com facilidade, e, seguro de sua técnica profissional, convenceu a autoridade de que seu modelo, com tampa fechada a chave e com lacre inviolável, seria a melhor opção a ser adotada.

Verificada a veracidade de suas observações e constatada a fragilidade da urna vencedora, uma nova concorrência foi aberta e, desta vez, Seu Abílio foi vencedor. Orgulhoso de seu trabalho, ele produziu mais de cinco mil urnas e as ofereceu gratuitamente ao Governo Federal, com duas condições: que 70 delas fossem mandadas para Jaú e que a cidade fosse a primeira a usá-las em uma votação. O pedido foi aceito, o sucesso foi total e Juscelino Kubitschek, eleito Presidente “Bossa-Nova”, teve a honra de ter seus mais de três milhões de votos retirados do novo modelo de urna, que representava também um período de modernidade para a Justiça Eleitoral.

Abílio Cesarino faleceu em dezembro de 2002. Viu suas urnas de lona substituídas pela urna eletrônica, mas contentou-se em fazer história. Muitas urnas de lona permanecem ainda sob a guarda da Justiça Eleitoral, sendo usadas até hoje, ainda que na condição de coadjuvantes, nas seções eleitorais.

 

Conheça a urna de lona

 

A parte superior em metal recoberto com lona marrom possui tampa removível quadrada (de 11cm em cada lado) pintada em verde, com fechadura e abertura para se colocar a cédula de votação, encimada por outra tampa que cobre a primeira recoberta por lona. A inferior, em material flexível recoberta com o mesmo tecido permite que a superior se encaixe, possibilitando redução do volume e facilitando o transporte. As duas partes quando encaixadas são presas por articulações metálicas presas em duas laterais opostas que prendem também duas argolas, nas quais se fixam uma alça de lona (de 8cm de comprimento), sendo que uma de suas extremidades é fixa. O saco da lona possui 50cm de comprimento.

Nesse modelo, foi modificado o sistema de fechamento – não se utiliza mais alicate, mas permanece com o sistema de lacre de chumbo, selado por meio de alicate. Substituiu o modelo anterior a partir de 1974 e é utilizada até hoje, em caso de pane da urna eletrônica.