Pela urna, a vida

De repente, ouviu-se um estampido, um tiro de revólver disparado à queima-roupa. No chão, o magistrado, ferido gravemente pelas costas, caía abraçado a uma urna de votação, a qual defendeu com a própria vida, ao impedir uma tentativa de fraude eleitoral, durante as eleições municipais de 1936, no distrito de Vila Flores, município de Santiago do Boqueirão, no oeste do Rio Grande do Sul. Alguns minutos depois, o juiz gaúcho Moysés Antunes Viana morria. Um ato de heroísmo a favor da lisura da votação.

Um ano antes – em 1935, nas eleições municipais – foram anulados os votos da 9ª e 14ª seções eleitorais do 3º e 6º distritos, respectivamente. No 3º distrito –Vila Flores - justamente por falta de assinaturas de mesários nos documentos que acompanhavam a urna. Devido a este fato, a Justiça Eleitoral gaúcha determinou eleições suplementares para 24 de maio de 1936, nas duas seções.

Em 1935, o ambiente nacional, no plano político e de segurança, revelava-se tenso, sob estado de sítio, tendo o então presidente da República, Getúlio Vargas, sido autorizado a prorrogá-lo, bem como decretar o estado de guerra. Vivia-se um tempo em que as disputas políticas, muitas vezes, eram decididas com tocaias, sequestros e assassinatos. Os coronéis manipulavam os votos, e o resultado das urnas era quase sempre fraudado. Foi assim ao longo da República Velha (1889-1930), principalmente nos grotões e zonas rurais, distantes das cidades.

Começava aqui a história do juiz Moysés, que, nesse período entre uma eleição e outra, já alertara as autoridades estaduais para o clima de tensão envolvendo a disputa entre os representantes que almejavam o Executivo municipal - o da Frente Única Gaúcha (FUG), Sylvio Ferreira Aquino, e o do Partido Republicano Liberal (PRL), o então prefeito em exercício José Ernesto Müller.

Quarta-feira, 24 de maio de 1936. Às 8h, o magistrado dá início à votação em Vila Flores, 3º distrito de Santiago do Boqueirão - 9ª Seção Eleitoral. Grupos armados rodeavam a casa em que se instalara a mesa eleitoral. Às 17h30, o juiz determinou o recolhimento dos títulos e prosseguiu a votação. Haviam votado 198 eleitores dos 207 da seção. A eleição transcorreu normalmente até o entardecer.

Foi quando chegou para votar o presidente da mesa nas eleições anuladas do ano anterior, Podalírio da Luz, que assina a lista de presença, recebe a cédula e vai à cabine de votação. Ao retornar, ele tenta colocar mais de uma cédula na urna de madeira. Atento, o juiz Moysés o adverte e coloca as mãos sobre a fenda da urna. Podalírio insiste na fraude e quase derruba o magistrado.

As pessoas dentro da seção pediam calma, e ouve-se um estampido. Todos correm para a rua e começa um tiroteio. Mais de 200 disparos. As força policiais, minutos depois, conseguem pôr fim ao conflito, e todos retornam à sala de votação. O juiz Moysés é encontrado agonizando em um quarto da casa, protegendo a urna. Levou um tiro à queima-roupa de revólver 38 pelas costas e morreu minutos depois.

O autor do disparo é identificado como Thomaz Nunes de Castro, conhecido como Tamares, que estava escondido dentro da seção no momento do crime. Foi julgado em 1937 e condenado a 20 anos de prisão.

Alguns minutos após o incidente, a urna, objeto de defesa do juiz Moysés, foi aberta e revelou 126 votos para o candidato da oposição, Sylvio Aquino, e 62 para o prefeito José Ernesto Müller.

O ato de heroísmo do juiz Moysés Viana, nascido em Uruguaiana, Rio Grande do Sul, vem comprovar que a eficiência da Instituição possui a chancela de pessoas corajosas e dispostas a lutar pelos ideais democráticos, mesmo que isso signifique o sacrifício da própria vida. Em abril de 1990, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul instituiu a “Medalha Moysés Viana do Mérito Eleitoral”, concedida a cidadãos que tenham prestado relevantes serviços à Justiça Eleitoral.

Publicado em 10/9/2015